Das 6 mil autuações relacionadas à Lei Seca feitas em Goiás neste ano, 67% foram direcionadas aos condutores que se recusaram a fazer o teste do bafômetro. A constitucionalidade de artigos da lei, entre eles o que determina que os motoristas que negarem a realizar o teste também sejam punidos, está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Especialistas afirmam que a flexibilização da legislação seria sinônimo de retrocesso.
O STF julga três processos que questionam artigos da Lei 11.705 de 2008, a Lei Seca. Um deles é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). A entidade afirma que o artigo 5º da Lei Seca, que pune com multa, apreensão de carteira de habilitação e apreensão do veículo, o condutor se recusar a soprar o bafômetro, é inconstitucional, pois não respeita o princípio da não autoincriminação.
Em Goiás, desde 2019 as autuações pela recusa em soprar o bafômetro já representam mais da metade dos enquadramentos feitos com base na Lei Seca (confira quadro).
O coordenador do Mova-se Fórum de Mobilidade, Miguel Angelo Pricinorte, diz que caso o STF considere o artigo inconstitucional, isso poderá refletir em um aumento dos acidentes de trânsito. “Se o texto atual mudar, ninguém mais fará o teste. Somente aquelas pessoas que estiverem claramente embriagadas serão pegas”, diz.
O engenheiro de transportes e especialista em trânsito, Marcos Rothen, concorda com Pricinorte. “Vai ser um desastre. Muitos condutores embriagados vão passar batido pela fiscalização.”
Para Rothen, em vez do bafômetro ser visto como um instrumento que incrimina os condutores, ele poderia ser interpretado como uma forma de os motoristas provarem que não estão alcoolizados, já que pela legislação atual, mesmo sem o teste, o agente de trânsito também pode aplicar a Lei Seca quando o condutor apresentar sinais de embriaguez, excitação ou torpor. “Ele (teste do bafômetro) poderia ser usado como uma forma deles (motoristas) provarem que não estão alcoolizados.”
Impunidade
Pricinorte afirma ainda que essa mudança também pode aumentar o sentimento de impunidade que as vítimas de acidentes de trânsito relacionados ao consumo do álcool já têm. “Em casos como o que aconteceu recentemente em Goiânia com aquela caminhonete Hillux, a punição tem de ser exemplar”, diz o especialista se referindo ao acidente ocorrido no dia 7 deste mês, na Avenida T-9, que resultou na morte de duas pessoas.
Uma caminhonete, com seis passageiros, capotou durante um racha com uma BMW. A investigação da Polícia Civil, que está em andamento, aponta que os condutores dos dois veículos podem ter consumido álcool em uma boate onde estavam antes do ocorrido.
Rothen diz que a fiscalização feita em Goiânia no último fim de semana pelo programa Balada Responsável, quando 170 motoristas foram autuados por embriaguez, é um exemplo da eficácia da Lei Seca em prol da segurança no trânsito. “Não vimos tantos acidentes com vítimas como no fim de semana anterior, quando tivemos até mesmo mortes envolvendo o abuso de álcool e a direção.”
Pricinorte faz ainda um adendo sobre o valor da multa para quem dirige embriagado, que atualmente é de R$ 2,9 mil. “Para alguém da classe média alta não vai ter efeito nenhum. Por isso, o valor da multa poderia ser baseado no valor do veículo.”
Outros processos
Além do processo relacionado à constitucionalidade do teste do bafômetro, existem duas outras ações sendo julgadas pelo STF. Uma delas é movida pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que questiona a restrição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais.
A terceira ação, que está sendo discutida pelo tribunal, é um caso em que o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran/RS) recorre de uma decisão favorável do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) a um motociclista que se recusou a fazer o teste de alcoolemia.
Nesta quarta-feira (18), o relator dos processos, ministro Luiz Fux, votou a favor da manutenção do texto atual da Lei Seca, da constitucionalidade do teste do bafômetro, da aplicação de sanções para quem se negar a fazer e da proibição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais. Os outros ministros votam nesta quinta-feira (19).
Mais educação no trânsito é necessária
A educação no trânsito é a principal ferramenta para diminuir os descumprimentos do Código de Trânsito Brasileiro, entre eles a prática de dirigir embriagado. É o que afirma Benjamim Jorge dos Santos, professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) e consultor em trânsito e transportes. “A melhor estratégia é investir em educação.”
De acordo com o especialista, o trabalho de conscientização sobre a importância de se seguir as normas de trânsito precisa começar a ser feito nas escolas. “Este assunto precisa ser uma disciplina dentro do ensino fundamental e seguir até a faculdade. Desta forma, é possível desenvolver uma verdadeira mudança de pensamento.”
Santos explica que o trânsito possui três pilares: a educação, a engenharia e a fiscalização. Apesar de ações fiscalizatórias, como a que ocorreu em Goiânia no último fim de semana e autuou 170 motoristas por embriaguez serem importantes e necessárias, ele destaca que as ações educativas deveriam ser a principal frente de atuação das autoridades.
Neste sentido, ele aponta que é preciso que o poder público promova mais ações de educação no trânsito. “Infelizmente, o que vemos hoje é que as autoridades desenvolvem esse trabalho apenas na Semana Nacional do Trânsito, que acontece em setembro. Elas precisavam acontecer de forma intensiva ao longo do ano inteiro.”
Santos, que também considera uma possível flexibilização da Lei Seca como um retrocesso, diz que em vez de mudanças na legislação, mais ações voltadas para a conscientização deveriam ser promovidas. “Existem vários recursos para evitar que as pessoas dirijam bêbadas como o uso de aplicativos de viagem e uma pessoa do grupo ficar sem beber para dirigir. Tudo isso pode ser incentivado pelo poder público.”