Em acordo inédito no Estado, a Polícia Militar de Goiás assina documento no qual se compromete a alterar o Procedimento Operacional Padrão (POP) e permitir que qualquer abordagem seja filmada por testemunhas, sem que haja impedimento por parte dos agentes. A ação foi efetivada após pouco mais de um ano do caso de Orcélio Ferreira Silvério Júnior, que no dia 21 de julho de 2021, foi agredido por policiais militares ao tentar filmar uma abordagem a um ‘flanelinha’, em Goiânia.
O acordo foi firmado nesta terça-feira (22). É a primeira vez que o POP possui alteração com a participação de órgãos externos. A ação é da Ordem de Advogados do Brasil Seccional Goiás (OAB-GO).
É garantido que todo cidadão, que esteja a distância segura estabelecida de cinco metros de distância da abordagem, possa registrar em vídeos o ato policial, incluindo advogados e os próprios policiais. O acordo foi assinado na Câmara de Conciliação, Mediação, e Arbitragem da Administração Estadual entre o comando da Polícia Militar (PM), a Procuradoria Geral do Estado (PGE), o Tribunal de Justiça (TJ-GO), o Ministério Público (MP-GO), a OAB-GO e os Conselhos Federativos de advocacia, com intermédio da Secretaria de Segurança Pública.
O presidente da OAB em Goiás, Rafael Lara, afirma que é um acordo em virtude de ressaltar a respeitabilidade. “A gente está brigando pelo respeito da cidadania, quando defendemos também os advogados para poderem filmar, estamos defendendo e garantindo os direitos dos cidadãos”, afirma. Vale destacar que a abordagem abusiva dos policiais militares diante do advogado Orcélio foi documentada por uma advogada. “Aquela história de policiais dizerem que não podem filmar ou tomar o celular de testemunhas não vai existir mais”.
A equipe de policiais deverá, obrigatoriamente, caso o cidadão se identifique como advogado, informar ao profissional que ele precisa aguardar em uma distância segura de no mínimo cinco metros da abordagem. Posteriormente, o agente deve esclarecer o motivo daquela interferência e o destino o qual a pessoa será levada, caso o abordado seja conduzido para repartição pública competente. Neste cenário, cabe ao policial, inclusive, informar ao delegado de polícia que o conduzido está acompanhado de seu representante inscrito na OAB.
Nesta alteração do Procedimento Operacional da PM, é necessário inserir uma observação quanto a Lei 8.906/94, “O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria ou difamação puníveis as manifestações da sua parte, desde que no exercício de sua atividade, ainda que fora de juízo, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a instituição, pelos excessos que cometer”. Cabe a Polícia Civil (PC) afixar cartazes com a mesma lei em todas as Centrais de Flagrante do Estado de Goiás e na página da internet.
“O que a gente estava percebendo tanto nesse caso fatídico (do Orcélio) como em outras abordagens pontuais é que o advogado não vinha sendo respeitado”, afirma Rafael Lara. A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar de Goiás, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. A PGE informou que não tem como se manifestar porque o referido projeto de lei ainda não chegou ao órgão.
Relembre o caso
O advogado Orcélio Ferreira Silvério Júnior foi abordado de maneira nitidamente “excessiva”, segundo o governador do Estado de Goiás, Ronaldo Caiado, no dia 21 de julho de 2021. Os agentes desferiram uma série de socos no advogado, enquanto este estava imobilizado e com a boca tampada. As agressões aconteceram após Orcélio tentar interceder na abordagem de policiais militares a um cuidador de carros, ‘flanelinha’, em local próximo ao Terminal da Praça da Bíblia, no Setor Leste Universitário, em Goiânia. O caso foi nacionalmente repercutido.
Na época, o advogado ainda foi ameaçado por um dos policiais agressores, assim que chegou à Central de Flagrantes da Polícia Civil no dia da violência. Orcélio recebeu segurança de estado concedido pela Secretaria de Estado de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) logo depois, por meio de pedido da OAB-GO. O general Gilberto Borges da Costa foi preso pelo crime de tortura, em setembro do ano anterior, e está detido no presídio militar. Outros quatro policiais respondem em liberdade pelo crime de tortura, são eles: o cabo Robert Wagner Gonçalves de Menezes, soldado Ildefonso Malvino Filho, soldado Diogenys Debran Siqueira Silva e soldado Wisley Liberal Campo. (Manoella Bittencourt é estagiária do GJC em convênio com a PUC-Goiás, sob supervisão da editora Elaine Soares).