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Advogados rejeitam cobrar tornozeleira eletrônica de presos em Goiás.


Criminalistas afirmam que projeto do governo do Estado, que pretende que os custodiados arquem com o custo do equipamento, é inconstitucional
 

A proposta de que cada preso beneficiado com o uso de tornozeleira eletrônica em Goiás tenha que pagar pelo equipamento é vista como inconstitucional por especialistas. O projeto foi apresentado na Assembleia Legislativa e cita o alto custo de instalação e manutenção como motivo para o modelo. A cobrança que já é adotada por outros Estados, como Santa Catarina e Mato Grosso. Mas advogados ressaltam que este é um assunto disciplinado pelo Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal e os estados não podem legislar sobre tal aspecto.

Goiás mantém contrato com a empresa Spacecom para requisitar até 5 mil tornozeleiras simultaneamente. Atualmente, 4.808 estão ativas, ao custo de R$ 245 por pessoa monitorada. O projeto apresentado à Assembleia Legislativa na última terça (31) aponta que o custeio dos dispositivos é realizado pelo erário estadual e que o custo anual está perto dos R$ 13 milhões, segundo consta no último contrato, realizado em 2018.

Advogado criminal e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO), Rodrigo Lustosa entende que a inconstitucionalidade é evidente. “Na verdade, apenas a União pode legislar sobre matéria penal e processual penal e isso se dá em razão de norma constante do art. 22, inciso I, da Constituição Federal.”

Lustosa acrescenta que, como o uso de equipamento de monitoração eletrônica está disciplinado pelo Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal, os Estados não podem legislar sobre tal aspecto. “Além disso, não se mostra minimamente razoável que o Estado imponha a alguém, contra a sua vontade, uma sanção e depois cobre pela execução dela. Há muita injustiça nisso, creio.”

Também advogado criminal, Roberto Serra entende que a inconstitucionalidade está no fato de o Estado legislar sobre matéria penal. “A matéria penal, por exemplo, se encontraria consubstanciada na criação de uma punição extra ao apenado, qual seja, a de arcar com um custo pecuniário anteriormente inexistente, além da privação de liberdade. A matéria processual residiria na criação de uma condição extra para que a liberdade provisória com medida cautelar seja concedida.”

Serra destaca que, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, tramitam diversos procedimentos tratando da matéria. Um deles foi apresentado pelo deputado Cabo Sabino (PR), do Ceará, em junho de 2016. Ele pede que os monitorados eletronicamente paguem esses custos, assim como na proposta goiana. O último registro de tramitação da proposta consta em julho deste ano, quando iniciativa semelhante de outro deputado foi juntada à discussão.

Roberto Serra, que também é presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, diz que a falência das prisões no Brasil não pode ser justificada pela falta de recursos, mas ausência de vontade política para desenvolver políticas de enfrentamento efetivo do problema.

“O que o Estado deveria fazer era propor projetos para expandir o uso de tornozeleiras eletrônicas e outras medidas alternativas, contribuindo com a redução da população prisional e com a melhoria das condições das prisões, as quais violam, massivamente, direitos fundamentais exatamente por omissão do poder público, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal ao reconhecer o ‘estado de coisas inconstitucional’ do sistema prisional brasileiro.”

Serra acrescenta que, em sua opinião, o projeto trata de uma medida desigual que afetará diretamente os detentos mais pobres, que são a maioria do sistema prisional, levando a uma seletividade punitiva ainda mais injusta.

Na proposta encaminhada à Alego consta que essa medida não modifica nem altera o exercício do direito ou modifica quaisquer critérios para sua concessão, portanto, exigir a cobrança desses valores dos beneficiados, a título de compensação, não se insere na competência legislativa privativa da União, pois se trata de norma administrativa de natureza penitenciária e orçamentária, com a admissão constitucional de competência dos estados.

Especialista em segurança pública e privada, Ivan Hermano Filho é favorável ao projeto estadual e afirma que o modelo é adotado em diversos países, não apenas para monitorados, mas para que os presos paguem por todos os custos que geram ao sistema penitenciário. “Se a pessoa cometeu um crime, cometeu uma violação à sociedade, deveria pagar por esses custos.” Hermano entende que ser beneficiado com a saída do regime fechado e usar o equipamento de monitoração é muito melhor do que ser mantido no encarceramento e que essa pessoa deve participar financeiramente para que ele possa ter a progressão.

 

Devedores vão para a dívida ativa

Diretor-geral de Administração Penitenciária, Franz Augusto Marlus Rasmussen Rodrigues explica que a proposta é que o acusado, preso ou o condenado que for beneficiado com o uso do equipamento arque com as despesas, inclusive de manutenção. Na devolução, o equipamento será submetido a avaliação para checagem de danos e, caso necessário, o usuário deverá pagar o valor a ser calculado dependendo do estado.

Quem se recusar a pagar o valor não terá limitação do uso da tornozeleira, mas o nome será inscrito na dívida ativa estadual. 
Os presos que comprovarem não ter condição de pagamento dos valores poderão ser dispensados da regra. A proposta informa que os recursos arrecadados serão destinados para melhorias no sistema de execução penal estadual, a serem alocados no Fundo Penitenciário Estadual (Funpes).

A proposta ainda prevê que os usuários de tornozeleiras deverão emitir mensalmente o Documento de Arrecadação de Receitas Estaduais (Dare) junto à Secretaria de Estado da Economia, preferencialmente pela internet. Mas o diretor da DGAP informa que, caso eles não tenham condição, isso poderá ser feito na sede da diretoria.

Para a instalação da tornozeleira eletrônica, o custodiado deve atender alguns requisitos, como: estar em medida cautelar diversa da prisão, saída temporária no regime semiaberto, saída antecipada do estabelecimento penal, cumulada ou não com prisão domiciliar, estar em prisão domiciliar em caráter cautelar, prisão domiciliar substitutiva do regime fechado ou em medida protetiva de urgência nos casos de violência doméstica e familiar.


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