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Para especialistas, reduzir letalidade policial não se restringe a filmagens de câmeras em fardas.


O debate sobre o uso de câmeras corporais nas fardas de policiais pode ficar comprometido pelo entendimento de que serviriam apenas para fiscalizar os agentes. Na análise de especialistas ouvidos pelo POPULAR, há riscos de limitar as discussões. Isso porque eles dizem que os equipamentos devem ser vistos também como uma ferramenta aliada dos policiais. Entre as possibilidades destacadas está a de qualificar provas e até mesmo de reduzir agressões sofridas durante ações.

A relação entre o uso das câmeras e uma menor letalidade policial foi difundida após São Paulo divulgar os primeiros números obtidos depois do início da implementação dos equipamentos, no primeiro semestre de 2020. Na comparação dos sete últimos meses de 2019 com o mesmo período de 2020, os batalhões que adotaram a filmagem alcançaram redução de 85% das mortes durante ações policiais.

Para o coronel da Polícia Militar da Paraíba (PM-PB) Onivan Elias de Oliveira, que é doutor em Ciências Policiais, as discussões passaram a se limitar pela experiência de São Paulo e apenas no quesito redução da letalidade. “Lamentavelmente se afunilou para câmera diminuir a letalidade policial, enquanto o acessório tem uma amplitude muito maior”, diz o coronel, que vê as câmeras como aliadas. O afunilamento do debate, na avaliação de Oliveira, tem criado resistências que tornaram o debate uma questão política e não necessariamente técnica.

Os números oficiais da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de Goiás mostram que 579 pessoas morreram durante ações policiais realizadas em 2021, tendo sido o segundo ano com maior letalidade policial de toda a série histórica disponível, iniciada em 2008. Desde 2013 o estado registra altas sucessivas da letalidade policial, saindo de 79 naquele ano para 96 em 2014, 141 em 2015, 225 em 2016, 270 em 2017, 424 em 2018, alcançando 623 em 2020.

Acreditar que os números seriam contornados apenas com a adoção de câmeras corporais é uma ideia errada, defende o coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PME-SP), Márcio Santiago Higashi Couto, que também é doutor em Ciências Policiais. O coronel diz que São Paulo conseguiu reduzir os números de letalidade não necessariamente por conta das câmeras.

“Só colocar a câmera não vai haver redução da letalidade. Em São Paulo foram feitos implementos que passam por novas viaturas, equipamentos e procedimento”, diz Couto, que cita, entre os novos equipamentos, a adoção de armas não letais.

Para Cássio Thyone, representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o uso de câmeras nos uniformes está entre as tendências que podem de fato ser o caminho para a redução da letalidade policial. Assim como os demais especialistas, ele diz que o acessório também serve para o agente. “É preciso destacar que não há a finalidade exclusiva em fiscalizar o policial e sim tornar as ações mais transparentes, inclusive para defender um policial de uma acusação”, defende sobre as câmeras em fardas.

Funcionalidade

O coronel Couto explica como as câmeras podem servir como proteção para os policiais. O especialista cita que em muitos casos o policial é questionado sobre ações em que foi agredido de forma injusta. “Ele vai ser questionado se foi de fato agredido ou se agrediu primeiro. Com as imagens dá para provar que ele foi vítima de tiros, de agressão e apenas se defendeu”, cita como o primeiro ponto.

A segunda funcionalidade seria a qualificação de provas. “É comum no Brasil o indivíduo mentir para o juiz, dizer que não estava com a arma, que teria sido o policial que colocou a arma com ele. Com a imagem é possível mostrar que a arma estava de fato com o indivíduo no momento da abordagem”, explica o coronel da reserva.

Além de São Paulo, o estado de Santa Catarina também faz o uso de câmeras corporais. A PM catarinense foi, inclusive, a pioneira em adotar o equipamento. O coronel Oliveira diz que observando o exemplo de Santa Catarina é possível dizer que os estados buscam diferentes resultados com as câmeras. “Santa Catarina tem uma letalidade policial baixa, então o objetivo não foi esse. Por isso é preciso analisar a demanda de cada local”, pondera.

Ainda assim, as câmeras reduziram em 61,2% o uso de força policial do estado, conforme apontado por estudo conduzido pelas universidades britânicas Warwick, Queen Mary e London School of Economics e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).


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